O monstro debaixo da cama

Publicado por em 15 dez 22. Prosas e Contos, Textos
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Quando Viviane volta para casa depois de passar três anos fora, encontra muito mais do que apenas boas lembranças

Viviane chegou exausta da viagem. Foram mais de sete horas dentro do ônibus, desde a faculdade até em casa.

Era estranho voltar para casa depois de tanto tempo. Desde que havia ingressado no curso de Engenharia há três anos, passou todo o tempo na nova cidade. O custo da viagem era muito alto, então a jovem e a família matavam a saudade via chamada de vídeo e ligações telefônicas. Mas não era a mesma coisa.

Agora ela estava em casa, a casa em que tinha passado sua infância e adolescência. Teria quase vinte dias para curtir a comida e o cuidado da mãe, conversar as discussões intermináveis com o pai. Essas seriam as melhores férias em muito tempo.

Infelizmente, por mais que a garota desejasse ficar com os pais, seus olhos estavam pesados e seu corpo esgotado. Ela precisava de uma boa noite de sono. Então ela abraçou a mãe e o pai apertadamente e subiu para seu antigo quarto.

Ficou impressionada quando entrou. Tudo estava exatamente no mesmo lugar, limpo e arrumado. Sua mãe, cuidadosa como sempre, mantinha organizado até os últimos detalhes. Sobre a cama, inclusive, havia um pijama macio e quentinho, composto por uma calça e uma camisa de manga comprida, pois mesmo no verão, ali no vilarejo sempre fazia fazia um pouco de frio a noite.

Viviane tomou um banho, vestiu seu pijama e deitou-se, sentindo-se novamente uma criança. A sensação de ser cuidada era tão boa. Por um breve instante ela chegou a pensar em chamar o pai para cobri-la, assim como ele fazia em sua infância, mas achou que a cena seria um tanto tosca e optou por cobrir-se sozinha.

Como estava exausta, dormiu em poucos instantes.

Mas, em algum momento da noite, Viviane acordou quando sentiu um vento frio percorrer seu corpo. O ar gelado da noite, parecia tocar sua pele suavemente, mas com intensidade suficiente para despertá-la.

A jovem olhou para o pé da cama e viu o cobertor embolado. Ela estava descoberta e fazia frio. Ela riu de si mesma por se descobrir durante a noite. Pegou o cobertor, cobriu-se novamente e voltou a dormir.

Mais algum tempo depois, que ela não saberia precisar se tinham sido segundos, minutos ou mesmo horas, ela sentiu novamente a brisa gelada daquela noite passear sobre seu corpo. Quando abriu os olhos, estava outra vez descoberta, mas dessa vez, ela teve a nítida impressão de que algo tinha se mexido perto de seu pé esquerdo, puxando o cobertor.

Seu coração disparou, ela pensou em gritar e sair correndo. Mas no instante seguinte riu de si mesma. Ela não era mais uma criança para ter medo de monstros da noite. Agora era uma mulher. Uma mulher que já havia morado sozinha por anos, inclusive.

Mas porque será que estar em casa, naquele quarto, fazia com que ela se sentisse novamente uma criança indefesa?

A moça se levantou, caminhou até a janela. A madrugada estava fria e a noite sem lua. Era difícil reconhecer as silhuetas que se formavam lá fora. Ela voltou para a cama e se deitou mais uma vez. Se cobriu, fechou os olhos e, dessa vez, antes de adormecer, sentiu que algo puxava o cobertor.

Por um instante, Viviane teve dúvida se deveria abrir os olhos. Uma sensação de pavor tomou conta dela. Antes que pudesse pensar, sentiu algo viscoso tocar seu pé.

Ela, instintivamente deu um pequeno pulo e, ao olhar, viu um tipo de tentáculo começar a se enrolar em seu tornozelo direito. Era uma sensação horrível, a coisa era gelada e gelatinosa, mas al mesmo tempo tinha um aperto vigoroso.

Viviane se inclinou para tentar arrancar aquilo de seu pé, quando um segundo tentáculo surgiu pelo outro lado, agarrando seu braço esquerdo. A coisa puxou a garota nas duas direções, com um solavanco tão forte que a fez se deitar.

Neste momento ela resolveu gritar, mas só pode soltar um som abafado e sentir o gosto salgado e viscoso do terceiro tentáculo que tapou sua boca se enrolando em sua cabeça lentamente.

A jovem tentou se debater, mas outros tentáculos foram surgindo e a agarrando até deixá-la completamente imobilizada. Pulsos, braços, tornozelos, coxas, cabeça e até mesmo sua barriga. Todo seu corpo estava enrolado naquilo.

O gosto metalizado em sua boca a fazia sufocar de nojo e medo, ao mesmo tempo em que a pressão dos tentáculos tornavam sua respiração difícil.

Aos poucos o tentáculo que estava em sua cabeça foi se movendo de forma a que ela pudesse enxergar o quarto. Tudo parecia calmo no ambiente fora dela. Mas por dentro a garota gritava desesperadamente.

Ela então ouviu uma voz: “Senti saudades, Vivi”

A voz inconfundível dos traumas da sua infância. Quantas noites ela tinha sonhado com aquilo a observando. Mas ele nunca tinha chegado a tocá-la. A moça continuava tentando gritar.

A voz prosseguiu e ela percebeu que a voz não vinha de fora, mas falava dentro de sua cabeça: “Você me deixou muito tempo sozinho… agora teremos muito tempo para brincar e matarmos… a saudade”

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