O Ipupiara é um dos mitos mais antigos já registrado no Brasil. É uma espécie de monstro aquático gigantesco, metade homem e metade peixe, que já fazia parte da mitologia dos povos tupis que habitavam o litoral do Brasil no século XVI. Acredita-se que foi essa criatura que, com o tempo e a intervenção dos europeus, deu origem ao mito da Iara.
O Padre José de Anchieta já cita a criatura, juntamente com Curupira e Boitatá, na sua famosa Carta de São Vicente, de 1560:
“Ha tambem nos rios outros fantasmas, a que chamam Igpupiára, isto é, que moram n’agua, que matam do mesmo aos Indios. Não longe de nós ha um rio habitado por Cristãos, o que os Indios atravessavam outrora em pequenas canôas, que fazem de um só tronco ou de cortiça, onde eram muitas vezes afogados por eles, antes que os Cristãos para lá fossem.”
José de Anchieta, maio de 1560
É possível ver no relato do jesuíta, que este tipo de criatura, chamado na língua nativa de “aquele que mora na água“, era mais um dos espíritos que assolavam os indígenas, matando e afogando aqueles que atravessavam o rio em suas canoas. Ainda assim não há nenhuma referência a aparência da criatura neste primeiro relato.
Luta contra um ipupiara
Também em São Vicente foi feito o registro de um encontro com um ipupiara. Pero de Magalhães Gândavo, (? -1579), historiador e cronista português, conta no capítulo IX do livro História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil, que em São Vicente, no ano de 1564, o jovem capitão Baltasar Ferreira, assistente do capitão-mór, matou o monstro marinho a golpe de espada.
Resumidamente, a história conta que Baltasar tinha uma escrava chamada Irecê, namorada de Andirá, também escravo, com o qual se encontrava à noite, na praia.
Certa noite, ao chegar no local onde se encontravam, viu encostada a canoa do namorado, mas não o encontrou. Depois de chamá-lo algumas vezes sem nenhuma resposta, resolveu voltar para casa quando ouviu um urro vindo da direção do mar. Quando se virou para ver o que era, avistou um vulto de algo enorme que não se parecia com gente indo na direção dela.
A moça correu assustada, chamando aos gritos pelo capitão e, assim que o encontrou, contou sobre a criatura assustadora que havia visto na praia. Baltasar foi até a praia, armado com sua espada, onde encontrou o bicho que parecia um homem de barba e bigode, com dois braços grandes e dentes pontudos que se projetavam para fora da boca. O gigante marinho corpulento caminhava em pé, roncando alto na direção do capitão que, desembainhando a espada e a segurando com força, atravessou o corpo do monstro na altura da barriga. O animal tombou pesadamente, urrando com mais força e esguichando sangue.
Os gritos de Irecê atraíram os guardas da Casa de Pedra e os escravos da vizinhança, e no momento em que eles chegaram ao local, o hypupiara segundo chamaram os índios, recuperando as forças, atacou o jovem capitão, que só teve tempo de recuar e dar-lhe uma espadada na cabeça, vendo-o, em seguida, se arrastar pesadamente tentando fugir em direção ao mar.
Os muitos homens que tinham chegado impediram a fuga do monstro, e o arrastaram até a vila, onde ficou exposto durante muito tempo.
Relatos da época narram que Baltasar Ferreira “saiu da batalha sem alento com a visagem do medonho animal e tão perturbado que quando perguntado o que havia acontecido, não conseguiu responder e ficou assombrado e sem fala por um grande período de tempo”.
Ainda no mesmo livro, Gândavo descreve a criatura como tendo: “quinze palmos de comprido (cerca de 3 metros) e semeado de cabelos pelo corpo, e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes. Os índios da terra lhe chamam em sua língua Hypupiara, que quer dizer demônio d’água”.
Mais descrições
Outros relatos de aparições de ipupiaras indicam a existência de machos e fêmeas da espécie. Os machos se parecem com homens de boa estatura, mas com olhos muito fundos. Enquanto as fêmeas parecem mulheres, têm cabelos compridos e são formosas.
As lendas indicam que os ipupiaras são encontrados muitas vezes nas margens de rios.
Os nativos e quem conhece a lenda tem muito medo de se encontrar com um deles, pois é muito difícil escapar vivo. Dizem que os ipupiaras abraçam-se com a vítima, apertando-a com tanta força que deixam o corpo em pedaços. Alguns relatos dizem que, depois de sentir a pessoa morta, o ipupiara solta um gemido como de pesar.
Essas criaturas tem preferência por comer apenas algumas partes da vítima como olhos, narizes, pontas dos dedos dos pés e mãos, e genitálias, por isso muitos corpos de afogados seriam encontrados nas praias com essas partes faltando.
Ipupiaras e cultura pop
A lenda amazônica de homens-peixe e sua origem no Brasil sempre foi profundamente explorada em filmes, desenhos e jogos de videogame, na maioria das vezes sem citar o nome ipupiara.
No clássico filme de terror O Monstro da Lagoa Negra (1954), o monstro habitava uma remota e desconhecida lagoa localizada numa parte inexplorada da Floresta Amazônica brasileira. A criatura aparentemente era conhecida dos nativos, pois o capitão do barco fala de uma lenda local sobre os “homens-peixe.
Em Darkstalkers, jogo de videogame produzido pela Capcom, Rikuo é descrito como um “merman”, que seria o masculino de sereia (mermaid), que mora no Rio Amazonas no Brasil. Essa seria a melhor definição de um ipupiara.
Outro exemplo mais recente é o filme A forma da Água (2017), vencedor de quatro Oscars, em que um ser semelhante a um ipupiara é capturado na Amazônia e levado a um laboratório secreto nos EUA.
Os ipupiaras aparecem também em Anicejara e a Luz de Anhum, o segundo livro da saga de Anicejara, em um encontro inesperado que provoca uma luta eletrizante para escapar das criaturas.
4 Comentários
ótimo trabalho!!!
Muito obrigado pelo incentivo, Letícia! Muito gentil
Gostei
Muito obrigado por comentar 🙂