Boto regenerado

Publicado por em 01 out 24. Folclore, Prosas e Contos, Textos
Tempo estimado para leitura: 7 minutos

As pessoas me conhecem como Kauã. A gente pode já ter se encontrado em alguma balada ou ocasionalmente passeando por alguma rua sob a luz revigorante do luar. Não é difícil me encontrar, porque eu amo a cidade à noite. Estou sempre procurando por mulheres interessantes.

Na verdade, tenho um segredo para contar: eu sou o Boto-cor-de-rosa! Isso mesmo, o Boto-cor-de-rosa das lendas que você ouviu desde criança. Meus poderes permitem que eu me torne um homem durante as noites de lua cheia. Mas é claro que eu não sou um homem comum, porque meus poderes também me tornam irresistível para qualquer mulher. Minha voz, meu olhar, minhas palavras, tudo tem uma ação tão poderosa nas fêmeas humanas que faz com que elas sigam minhas ordens sem grandes questionamentos.

Eu admito que durante algum tempo eu tive atitudes questionáveis e costumava usar meu poder de sedução para conquistar as mulheres. Isso parecia divertido, mas hoje entendo que era extremamente errado.

Para me redimir, eu decidi mudar meu estilo de vida. Eu percebi que não precisava seduzir as mulheres para fazê-las se sentirem poderosas e confiantes. Então, eu comecei a usar meu poder de persuasão para ajudá-las a se sentirem melhor consigo mesmas, entendendo suas potencialidades e, com a confiança que ganham, chegando aonde podem e merecem chegar.

Foi assim, eu me tornei o Boto-cor-de-rosa gentil e generoso que sou hoje. Uma criatura que realmente faz a diferença no mundo, sem pedir nada em troca. Tudo bem, tudo bem… sei que ainda preciso trabalhar meu ego e arrogância, mas vamos fazendo uma coisa por vez.

Então, se você precisar de um pouco de ajuda para se sentir mais confiante e for sortuda o suficiente para me encontrar, posso ajudá-la a se tornar sua melhor versão.

Inclusive, isso me lembrou de quando eu conheci Marina, uma escritora incrível, que precisava de uma ajudinha de alguém especial como eu para se desencantar.

Em uma dessas noites, enquanto eu andava pela cidade, admirando as luzes e permitindo que as pessoas contemplassem um pouco da minha beleza, eu vi Marina sentada sozinha em um banco de praça, com os olhos marejados, lendo algo em seu celular.

Se há algo que eu não resisto é salvar uma donzela em perigo. É parte da minha nova personalidade, um cavaleiro de armadura generoso e honrado. Assim, me aproximei dela para entender o que estava acontecendo.

Marina ficou surpresa e até mesmo assustada com minha abordagem, mas logo se acostumou com a ideia de falar com um homem tão charmoso e misterioso como eu. Eu só precisei do meu poder de persuasão para fazer com que ela se sentisse mais confiante e aberta a conversar.

Descobri que ela estava realmente triste e desanimada. Acontece que, no grupo de amigas dela, sempre diziam que ela era a mais “feinha”, além disso, ela tinha tomado coragem e colocado uma história que ela mesma havia escrito no grupo de whatsapp e as amigas riram e disseram que a vida de escritor não era para ela.

Eu pedi para ler a tal história. A dor da rejeição era tão grande que precisei usar muito do meu poder para conseguir fazer a moça me entregar o celular. Eu comecei a ler pensando nos elogios que eu faria para animá-la, mas, enquanto fui lendo, fui transportado para o mundo do conto e, por algum tempo, nem ao menos me lembrava de querer controlar Marina. A história era fantástica, emocionante e a reviravolta… uau! Explodiu minha mente.

A única coisa que eu consegui dizer para ela foi: “Essas tais que se dizem suas amigas, tem inveja de você.”

Comecei então a plantar ideias na cabecinha dela. Coisas como: ela deveria publicar a história, se inscrever em concursos literários, não ter medo de ser vista por se achar feia… e outras coisas do tipo.

Passamos a noite inteira papeando. Eu queria saber tudo sobre a Marina. Como ela começou a escrever? Quantas histórias ela já havia escrito? O que gostava de fazer, quais eram suas referências?

Quanto mais ela falava, mais a confiança dela aumentava. Era lindo de ver! Por fim, o dia já estava quase amanhecendo e eu precisava ir embora antes que a magia da lua acabasse e eu me tornasse, literalmente, um peixe fora d’água.

A pobrezinha implorou por meu telefone… Infelizmente eu sempre causo esse efeito nas mulheres. O lado bom é que eu gosto!

Cerca de três meses depois vi Marina novamente, recebendo o prêmio de jovem revelação do concurso literário em que ela se inscreveu. Fiquei sabendo que, ao longo do tempo, ela foi se tornando cada vez mais confiante e corajosa. Começou a aparecer em lugares que antes evitava, como festas e reuniões sociais.

Acredito que Marina aprendeu que, mesmo que nem todos possam ser tão bonitos, simpáticos, sedutores, generosos e humildes como eu, todas as pessoas têm seus próprios dons e talentos para serem bem-sucedidas na vida. Tudo o que ela precisava era de confiança em si mesma e de alguns amigos de verdade.

Agora me faça um favor, na próxima vez que alguém te disser que o Boto-cor-de-rosa é um sujeito safado que seduz mulheres, corrija essa pessoa e diga que “ele se regenerou”.

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