Comadre Fulosinha

Publicado por em 04 jan 25. Folclore, Prosas e Contos, Textos
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Júlio caminhava pela mata fechada, guiado apenas pela luz prateada da lua que se infiltrava pelas copas das árvores. Ele estava em busca de lenha, mas sua mente vagava, desatenta às histórias que os mais velhos contavam sobre os perigos da floresta. Apressado e insensível ao sussurrar do vento, cortou galhos de uma árvore que parecia maior e mais viva do que qualquer outra ao redor.

O som cortante do machado ecoou na noite, e, com ele, um murmúrio abafado, como se a própria mata estivesse lamentando. Júlio ignorou, convencido de que era apenas o vento. Ele amarrou os galhos e se preparava para partir, quando uma risada melodiosa o fez congelar.

— Ora, rapaz, quem deu permissão para arrancar o que é meu?

A voz era doce, mas carregava uma força inquietante. Ele se virou e viu uma mulher deslumbrante saindo das sombras. Tinha longos cabelos negros que desciam como cascatas de tinta, olhos verdes como as folhas mais frescas, e a pele morena iluminada pelo luar.

— Quem… quem é você? — balbuciou Júlio, sentindo o coração acelerar.

— Sou a Comadre Fulosinha — respondeu ela, com um sorriso que era ao mesmo tempo convidativo e perigoso. — Guardiã desta mata e de suas criaturas. E você acabou de me insultar.

Júlio gaguejou desculpas, mas a Comadre aproximou-se lentamente, envolvendo-o com seus olhos hipnóticos. Ela o tocou no rosto, e seu perfume de flores silvestres e terra molhada invadiu os sentidos do rapaz.

— Talvez eu possa perdoá-lo — sussurrou ela. — Mas precisa me provar que não tem apenas destruição em suas mãos.

Júlio estava encantado. Seus pensamentos ficaram turvos, e ele não sabia mais se temia ou desejava aquela mulher.

Quando ela o puxou para um abraço, seus cabelos o envolveram como um véu escuro e quente. Ele sentiu o mundo girar, sua força se esvaindo, e, por um instante, acreditou estar em um sonho.

Mas logo o tom mudou. A carícia tornou-se um aperto; os cabelos, antes sedosos, ganharam vida própria, apertando-o com força, como jiboias furiosas.

— Desrespeitar a mata tem um preço, rapaz! — a voz da Comadre ecoou como um trovão.

Júlio tentou se soltar, mas era inútil. O açoite dos cabelos começou. Cada golpe ardia como uma chibata, até que ele caiu de joelhos, pedindo clemência.

Quando finalmente os cabelos o soltaram, a Comadre olhou para ele com desdém.

— Da próxima vez que pensar em tirar algo da floresta sem permissão, lembre-se de mim. E reze para que eu esteja de tão bom humor quanto hoje.

Ela desapareceu entre as árvores, deixando Júlio sozinho, ferido e envergonhado.

Ele voltou para casa deixando o feixe de lenha abandonado na mata e levando apenas as marcas no corpo e a lição na alma: nunca, jamais, desrespeitar os mistérios da floresta.

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