A Dama de Vermelho

Publicado por em 12 abr 25. Folclore, Prosas e Contos, Textos
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José não tinha o hábito de sair à noite, mas naquela sexta-feira, alguma coisa o fez desejar passar um tempo maior fora de casa. Talvez o tédio de um casamento que ele não cuidava a muito tempo. Saiu do trabalho em direção ao bar da esquina, sentou-se no balcão, pediu uma cerveja e ficou ali, girando o copo entre os dedos, observando as luzes refletirem no líquido gelado.

Foi então que ela entrou. A mulher de vestido vermelho atravessou o salão como se soubesse que todos estavam olhando. Não parou, não hesitou. Apenas andou até uma mesa nos fundos e se sentou. Sozinha.

Os longos cabelos negros e a silhueta sensual da mulher, ressaltada pelo vestido vermelho tão justo que parecia pintado em seu corpo fizeram o corpo de José reagir antes de sua mente.

Ele era um homem casado, e sua consciência deveria impedi-lo de seguir seus desejos. Sabia que devia resistir à tentação, ir embora dali. Apesar disso, passou a noite olhando a mulher de vestido vermelho de longe.

Voltou para casa mais tarde do que o normal. Entrou em silêncio. A esposa dormia. Ele ficou ali por um tempo, parado no escuro, com a imagem da mulher de vermelho presa na cabeça.

Passou então a frequentar o bar com mais frequência, na esperança de encontrar a mulher novamente.

Na segunda vez em que se encontraram no bar, José estava sentado sozinho, lamentando a falta de diversão e o excesso de rotina em sua vida. Desta vez, ele notou que a mulher de vestido vermelho estava olhando para ele com um sorriso sedutor.

Foi rápido. Um leve movimento de cabeça, um olhar demorado, e depois o sorriso. Não havia convite explícito, mas também não havia recusa.

Na terceira vez que se encontraram, em uma quinta-feira ainda no mesmo bar, José decidiu que precisava fazer algo além de apenas admirar a mulher de vestido vermelho que o enlouquecia a semanas. Quando ele se aproximou, ela ergueu os olhos e falou antes que ele dissesse qualquer coisa:

— Demorou.

A conversa foi leve. Ela não disse seu nome. Ele também não. Falaram de coisas sem importância. Mas havia tensão nos gestos. O modo como ela brincava com o canudo, o toque rápido que deu no braço dele ao rir de uma piada boba. José sentiu o corpo aquecer.

Quando se despediram, ela o beijou no rosto e sussurrou:

— Volte amanhã. Se tiver coragem.

Ele voltou. Estava viciado nela. No perfume, na voz, na forma como ela o fazia sentir que ainda era homem. A conversa correu mais quente do que nos dias anteriores e, em pouco tempo, saíram do bar juntos, com a promessa de uma noite cheia de prazeres, apesar disso ter significados diferentes para cada um deles.

Entraram no carro de José e rodaram por alguns minutos até estacionar em uma rua vazia e escura. A silhueta da mulher, na penumbra, iluminada pela luz da lua cheia que penetrava o carro a tornava ainda mais irresistível. Em um ímpeto de loucura, José sentiu a vontade ridícula de uivar.

A mulher saiu do carro, descobrindo o ombro esquerdo em um convite profano. José se deixou conduzir e a seguiu. Caminharam juntos pela rua mal iluminada até que ela parou perto de um beco.

— Aqui está bom — disse, encostando-se na parede.

Ele se aproximou. Os lábios quase se tocaram. O coração batia forte. Estava pronto para se perder, para esquecer a esposa, os filhos, tudo. Queria aquela mulher.

Ela sorriu com certa maldade e então José viu tudo mudar. A íris se alargou. As pupilas se estreitaram como as de um felino. A respiração dela ficou pesada. Os dentes se alongaram. Os braços tremeram.

Antes que ele pudesse dar um passo para trás, a mulher caiu de joelhos, o corpo contorcendo-se. O vestido se rasgou em vários pontos. Ossos estalaram. A pele se rasgou em partes, dando lugar a uma pelagem escura.

José recuou. O que viu não era mais uma mulher.

Era uma fera.

Uma coisa viva, faminta e furiosa.

Ele tentou correr, mas ela foi mais rápida e saltou sobre ele com as garras afiadas. Os dentes encontraram o ombro dele, entregando um clarão de dor. Ele tentou se defender, mas era tarde demais. A lobisomem o arrastou pelo beco escuro, e José sentiu cada gota de sua vida escorrer de seu corpo.

Ninguém ouviu seus gritos. Ninguém apareceu em seu socorro. Seu último pensamento foi de arrependimento por ter traído sua esposa e jogado sua vida fora.

Quando a madrugada chegou, só restava o corpo

A mulher de vestido vermelho, agora saciada, abandonou o corpo do homem jogado no chão como um brinquedo usado, deixando no ar seu cheiro doce e quente.

De manhã os transeuntes encontraram em uma cena aterradora: de os olhos ainda abertos, como se suplicassem uma explicação, o sangue escorrendo pelo asfalto, um sapato perdido no canto da rua e o celular destruído, José pagou o preço dos que não conseguem ser gratos pelo que tem.

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