Toda noite, quando o sino da igrejinha tocava logo após o sol se esconder, o vilarejo à beira-mar mergulhava em um silêncio recolhido. As ondas quebravam com mais força, fazendo a voz do mar ser ouvida em toda a sua potência sedutora. E era ali, na enseada de pedras negras, que Clara o via.
Ele surgia na praia como um vulto recortado pela luz da lua: alto, de cabelos escuros e olhos tão brilhantes quanto a água refletindo o luar. Nunca falava. Apenas pescava. Jogava uma rede trançada com algo que não era corda, um tipo de material que reluzia como prata. Clara, escondida atrás das dunas, observava noite após noite, sentindo o coração se embriagar a cada aparição.
Era um desejo estranho aquele que a tomava. Ela não sabia seu nome, sua voz, nem mesmo o cheiro da sua pele. Mas algo naquela figura solitária a chamava como o canto de uma sereia, não para o mar, mas para o silêncio da areia.
Tentou falar com ele certa vez. Aproximou-se devagar, os pés descalços afundando na areia macia. Ele a olhou. Só isso. Um olhar profundo, como o fundo do oceano, que emudeceu a jovem. Ela foi embora naquela noite com o coração aos saltos.
Passaram-se dias. Semanas. Toda noite, ele voltava. Ela começou a lhe deixar oferendas: flores, pão de coco, poemas escritos à mão… E ele, em troca, deixava-lhe conchas que ela nunca vira antes: translúcidas, coloridas, mágicas.
Clara não contava a ninguém. Tinha medo de que, se falasse dele, a magia se quebraria, como quem acorda de um sonho bom. Mas o mistério começou a pesar: Quem era ele? De onde vinha? Por que só aparecia à noite?
Final
Na véspera de lua cheia, decidiu seguir os passos dele. Viu quando ele recolheu a rede e, ao invés de ir para as trilhas da vila, mergulhou no mar. Clara correu até a beira e o viu sumir.
Mas ele não afundava como um homem comum. Nadava rápido, com movimentos longos, ondulantes. E então ela viu. Primeiro pensou ser uma sombra atrás dele e, em seguida, percebeu que era, na verdade, uma cauda. Escamas de um azul iridescente rasgavam a superfície das águas.
Clara caiu de joelhos. O peito queimava, não de medo, mas de revelação. O pescador da meia-noite era um tritão.
Na noite seguinte, ela voltou. Esperou. Ele surgiu.
— Eu sei o que você é — sussurrou.
Dessa vez, ele falou.
— E ainda assim você veio?
Clara sorriu.
— Ainda assim…
Ele estendeu a mão, e ela a segurou.
Dizem que naquela mesma noite, Clara mergulhou com ele. Nunca mais foi vista no vilarejo.
Mas, nas noites de lua cheia, pescadores juram ouvir risadas vindas da enseada. Risos doces, que sobem com a maré. E quando as redes se enroscam em algo estranho, puxam conchas transparentes como vidro, com o perfume de uma mulher apaixonada.