A tarde estava quente e a umidade da floresta fazia a sensação abafada ainda mais intense. Era como passear dentro de um forno, um maldito forno verde e imenso.
Nossa pequena expedição, formada por três homens procurava a cidade lendária conhecida como “A Cidade Esquecida” que, envolta em boatos de riquezas e horrores insondáveis, enchiam os corações dos homens mais tolos do desejo de fama, fortuna e glória.
Nosso guia, Miguel, um caboclo experiente, hesitou em seguir adiante quando avistou as ruínas cobertas por trepadeiras. Ele murmurou algo sobre a “Maldição de Jurupari”, uma história que desconsiderei como superstição.
Adentramos pelas ruínas, guiados por minha determinação e pela curiosidade de meu colega, o Dr. Horácio. O lugar testava abandonado há muitas gerações e o silêncio opressor era quebrado apenas pelo murmúrio do vento através das copas altas. No centro das ruínas, encontramos uma cripta esculpida em pedra negra, coberta de símbolos que ninguém conseguiu decifrar.
Era ali que repousava ela, o verdadeiro tesouro que Dr. Horácio procurava.
Miguel tentou nos impedir, mas ignoramos seus avisos. Com esforço conjunto, abrimos a pesada tampa da cripta. Dentro, envolta em panos carcomidos, estava uma figura humana, dessecada, mas surpreendentemente preservada. A múmia tinha um semblante feroz, como se estivesse gritando em protesto. Os olhos, ou os buracos onde eles deveria estar, pareciam nos fitar com uma intensidade aterradora.
Dr. Horácio, tomado por uma curiosidade mórbida, tocou na figura. Ao fazê-lo, um cheiro ocre e sufocante invadiu o ambiente, e uma sensação de náusea tomou conta de mim. O ar pareceu vibrar, como se a própria floresta reagisse à violação.
Naquela noite, acampamos próximo às ruínas, pois Horácio insistia em estudar a múmia sob a luz de suas lanternas. Miguel se recusou a se aproximar, rezando em voz baixa enquanto fazia oferendas de tabaco e cachaça à floresta. Algo em sua devoção começou a me perturbar profundamente.
Quando a escuridão se abateu completamente, o silêncio natural da noite foi substituído por um murmúrio baixo, como o sussurrar de vozes inumanas. De repente, os panos da múmia, deixados ao lado do corpo por Horácio, começaram a se agitar sozinhos. Uma sombra mais escura do que a noite projetou-se sobre nós.
Então ouvi o grito. Agudo, dilacerante, vindo de Horácio.
Corri para encontrá-lo, mas tudo o que vi foi a múmia de pé, sua face contorcida era simultaneamente humano e demoníaco. A criatura avançava lentamente na direção de Horácio que mantinha os olhos fixados nela, quase sem respirar, completamente perdidos no abismo de sua presença. Ele começou a balbuciar palavras desconexas antes de cair morto, como se sua alma tivesse sido arrancada do corpo.
Miguel veio correndo, carregando uma tocha. Entoando uma oração que eu não conhecia, com um gesto rápido, atirou fogo sobre a múmia, que soltou um grito que não parecia ser deste mundo. O som ecoou pela floresta, e as árvores vibraram em resposta. Tapei meus ouvidos, numa tentativa inútil de conter o pavor, enquanto a criatura desapareceu em meio às árvores, iluminada pelas chamas que a consumiam.O silêncio que se seguiu foi ainda mais aterrador.
Na manhã seguinte, partimos às pressas, carregando o corpo de Horácio. Miguel me contou, entre sussurros, que o que encontramos não foi uma simples múmia, mas um espírito aprisionado há séculos por uma tribo que dominava os mistérios da morte. Ao profanarmos o túmulo, libertamos algo que jamais deveria ser libertado.
Nunca mais voltei à floresta. Ainda assim, nas noites mais escuras, ouço o mesmo murmúrio, um chamado distante que parece vir de dentro de mim. Tenho medo de atender. Pois, no fundo, sei que a múmia não foi destruída. Ela apenas espera… espera o momento certo para reclamar o que lhe pertence.