Fim do mundo

Publicado por em 08 mar 25. Folclore, Prosas e Contos
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A chuva ácida martela o capô enferrujado do carro. Estou rodando a dias, sem encontrar nenhuma esperança. O rádio capta apenas chiados e, às vezes, um sussurro de palavras que não reconheço.

Meu combustível está quase no fim, quando vejo a cabana no meio do nada. Ela parece abandonada. Madeira escura, telhado inclinado, uma janela quebrada.

Desço correndo do carro e, assim que empurro a porta, um cheiro podre me atinge, me fazendo sentir os restos de comida que consegui encontrar ontem voltarem por meu esôfago.

O chão range sob meus passos. Observo os móveis cobertos por trapos, formando imagens encurvadas nos cantos. Então percebo: não são trapos, são corpos.

Encostados nas paredes, sentados à mesa, de pé como se tivessem congelado no meio de uma conversa. Pele fina e enrugada como couro velho, olhos afundados em buracos vazios, bocas secas abertas em sorrisos retorcidos. Um deles segura uma caneca, como se ainda bebesse algo. Outro tem os dedos ossudos sobre um prato vazio.

O cheiro e a visão macabra embrulham meu estômago. Engasgo. Nenhum corpo mumifica tão rápido. Nenhum cadáver mantém poses tão naturais.

Então ouço o som de um estalo seco, como madeira quebrando.

Meus olhos disparam para o canto da sala. Um dos corpos mexe a cabeça. Seu pescoço range ao girar na minha direção. A boca rachada se abre devagar.

— Comida.

“Malditos corpos-secos”, penso, sentindo que não posso respirar. Outro corpo vira o rosto. Depois outro. Os sorrisos se alargam demais, rasgando as faces de pele podre sendo puxada.

Corro para a porta. Fechada.

O cheiro pútrido se intensifica. Algo toca minha perna. São mãos secas, com seus dedos curvados. Chuto, tropeço, caio de costas.

Eles avançam. Rangendo. Estalando.

Só consigo pensar em como você está agora? Sozinha, talvez ouvindo a chuva bater na janela, esperando. Me esperando voltar.

Me perdoe, eu não conseguirei voltar para você.

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