Noturno e Selene

Publicado por em 22 mar 25. Prosas e Contos, Textos
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Selene era uma jovem bruxa, com cabelos da cor do entardecer e olhos que lembravam estrelas cadentes. Sua casa, um chalé torto no meio do bosque, era cheia de feitiços inacabados e poções que, às vezes, explodiam em frascos de vidro. Mas nada nela era mais instável do que seu gato.

Na verdade, ele não era seu gato. Era mais um invasor que estava sempre fazendo bagunça no chalé e, por isso, a jovem feiticeira desejava capturar.

Noturno era seu nome. Um felino de pelagem negra como as noites sem lua e olhos âmbar que pareciam guardar segredos que só ele conhecia. Mas o pior (ou melhor) dele era sua desobediência. Jamais uma presa escapou com tanta graça, jamais um feitiço foi tão facilmente desfeito como nas caçadas de Selene a Noturno.

— Hoje eu te pego, Noturno — Selene murmurou, desenhando com giz um círculo mágico no chão.

O gato bocejou de seu posto na janela, lambendo uma pata com displicência.

— Garotas vivem dizendo isso, mas poucas conseguem, minha querida.

Selene apertou os lábios, ignorando o arrepio que subiu sua espinha ao ouvir aquela voz preguiçosa e rouca. Não importava quantas vezes aquilo acontecesse, ainda era um mistério como um gato podia ter uma voz assim.

— Dessa vez vai funcionar. — Ela estalou os dedos, ativando o encantamento.

Luzes piscaram pela casa, runas brilharam… e então Noturno desapareceu como uma sombra fugindo da luz da lua.

— Você errou a métrica do feitiço — ele disse atrás dela, o rabo se enroscando no tornozelo da bruxa.

Selene girou nos calcanhares e tentou agarrá-lo, mas tudo o que conseguiu foi um punhado de ar e uma risada felina.

As tentativas se seguiram:

Um laço mágico de prata? Ele roeu.

Uma gaiola invisível? Ele atravessou como saindo de um sonho.

Uma promessa de peixe fresco? Ele riu.

Selene sentou-se, exausta, com os braços cruzados e olhar faiscante.

— Isso é impossível! — Sem mesmo perceber, fez um bico e bateu o pé no chão.

Noturno saltou até o braço do sofá, movendo-se como uma nuvem carregada pela brisa da noite. Aproximou o focinho da orelha dela e sussurrou com sua voz melodiosa e rouca:

— Só é capaz de conquistar um felino, que é capaz de conquistar uma alma humana.

Selene tremeu. A frase reverberou dentro dela como um feitiço dos bons.

Seus dedos se fecharam, pressionando levemente a barra da própria saia. Sua boca abriu para retrucar, mas nenhuma palavra saiu.

Noturno inclinou a cabeça, divertido.

— Quer tentar mais uma vez?

Selene respirou fundo. Sorriu.

— Não. Agora eu sei o segredo.

Noturno arqueou as sobrancelhas felinas.

Selene se deitou no sofá, jogou os braços para trás da cabeça e fechou os olhos.

O silêncio se alongou.

Noturno franziu o cenho, desconfiado. Deu um passo. Depois outro. Saltou para o colo dela e cutucou seu queixo com o focinho.

Selene sorriu vitoriosa e, com um movimento ágil, o abraçou.

Noturno se debateu… mas apenas por um instante. Então, ronronou.

— Maldita seja, bruxa esperta…

Ela riu, enterrando o rosto no pelo quente dele.

Ela o havia conquistado.

E, talvez, apenas talvez, estivesse pronta para conquistar muito mais.

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