O assaltante invisível

Publicado por em 04 set 21. Prosas e Contos, Reflexões, Textos
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Como a história de um homem comum que usou suco de limão para se tornar um assaltante invisível para as câmeras de segurança pode te ajudar a repensar suas atitudes profissionais e de vida.

Em 19 de abril de 1995, um homem chamado McArthur Wheeler assaltou dois bancos na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. Ele fez isso em plena luz do dia, sem usar nada para cobrir o rosto ou se esconder das câmeras de segurança. Para não ser reconhecido, ele apenas passou suco de limão sobre o rosto para que as câmeras de segurança fossem incapazes de registrar imagens.

Às 11 horas da manhã os registros das câmeras foram exibidos no jornal local e, pouco depois do meio-dia, McArthur foi preso.

“Mas eu passei suco de limão” – o assaltante disse indignado para os policiais quando foi identificado.

Alguém havia dito para o homem que o suco do limão possuía propriedades químicas que impediam que as câmeras da época fossem capazes de registrar uma imagem. Este suco pode ser usado para produzir um tipo de tinta invisível e, segundo essa teoria, o mesmo princípio valeria para confundir as filmagens e fotografias.

Como um “bom cientista”, antes do assalto, Wheeler fez um experimento para comprovar a teoria: após esfregar suco de limão no rosto e tirar uma selfie com uma câmera Polaroid (lembre-se que eram os anos 1990), para sua surpresa, seu rosto não apareceu na foto.

Assim, confiante de sua genialidade, o assaltante partiu para seus crimes, certo de que não poderia ser identificado. Inclusive ele chegou a piscar para uma das câmeras durante os assaltos.

A polícia não investigou a foto de teste tirada pelo homem, mas acredita-se que o fato do rosto de McArthur não aparecer em sua selfie se deva ao fato de ele ser um fotógrafo tão competente quanto era um assaltante e o filme da câmera pode ter estragado, ou ele errou o enquadramento.

Efeito Dunning-Kruger

Obviamente, o plano não deu certo, ele foi identificado e preso. Os exames não indicaram uso de entorpecentes ou transtornos mentais.

O caso, então, chamou a atenção de dois psicólogos, o professor David Dunning e seu aluno Justin Kruger, que desenvolveram pesquisas para entender se esse tipo de comportamento era recorrente (em situações menos excêntricas).

A grande pergunta era: como alguém poderia ficar tão confiante numa ideia tão absurda – e não ter a menor dúvida de que não daria certo?

Em uma empresa, os pesquisadores pediram para os engenheiros se autoavaliarem e 43% deles se colocaram entre os 5% mais capazes. Um resultado matematicamente impossível.

Em uma entrevista com motoristas, 88% dos entrevistados disse que suas habilidades no volante eram “acima da média”. Novamente, para estar acima da média o número precisaria ser inferior a metade.

O estudo continuou e foi documentado em uma universidade com os seguintes resultados:

Pediram para um grupo de estudantes realizar uma avaliação e, antes de saberem as notas, responderem o quanto se achavam bons naquela matéria e que nota acreditavam ter tirado.

Apenas os estudantes com maiores notas, tiveram uma nota superior a suas expectativas. Mesmo os estudantes com as notas mais baixas achavam que iriam muito bem e que entendiam muito a matéria.

Depois, os estudantes foram submetidos novamente ao mesmo teste e, com maior conhecimento, o efeito foi o contrário: a maioria subestimou o quão bem tinha ido no exame aplicado.

Este comportamento é um viés cognitivo que ficou conhecido como Efeito Dunning-Kruger.

Vieses cognitivos são tipos de atalhos mentais que tornam nosso pensamento mais rápido e fácil. Eles são filtros de percepção sobre o que achamos do mundo e influenciam as informações que chegam no nosso cérebro. Apesar de serem naturais e inconscientes, podem ser perigosos e nos levarem a tomar decisões sem sentido.

Assim o experimento identificou que quanto mais uma pessoa ignora determinado assunto, menos ela é capaz de ter consciência de sua inaptidão naquele assunto. Os resultados ainda confirmaram a impressão inicial de David Dunning: os alunos que menos sabiam (ou seja, os mais incompetentes) também sentiam-se muito competentes. E, além disso, os mesmos alunos tendiam a não reconhecer a competência de outras pessoas (achavam que eram mais competentes que outros indivíduos com mais conhecimento na área).

Para pensar

Este efeito é uma condição mental natural, e não uma doença, e por isso qualquer pessoa pode estar sujeita a ele.

O grande perigo é que, sem a noção real do quão pequeno é o próprio conhecimento, as pessoas acreditam que foram injustiçadas quando não conseguem o resultado que esperavam, mesmo que estejam passando por problemas relacionados a sua própria falta de habilidade.

Será que este não seria o motivo para a existência de uma boa parte dos tantos escritores frustrados, que reclamam na internet de que escritores nacionais não são valorizados?

Talvez a falta de estudo aprofundado nos torne ignorantes do que não sabemos e nos faça colocar a culpa no “universo”.

Apesar de publicado em 2000, a ideia do estudo não é recente.

Darwin já havia escrito, no século XIX: “A ignorância gera confiança com muito mais frequência do que o conhecimento.”

E, muito, muito antes, Sócrates afirmava: “Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles que acham que sabem alguma coisa.”

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