Uma velha lenda conta que, no final do século XIX, dois irmãos resolveram se aventurar pelo oeste brasileiro. Talvez por falta de experiência, eles acabaram perdidos e sem provisões. Por sorte, acabaram encontrando uma tribo indígena que os acolheu e os alimentou com um tipo de mingau feito de uma raiz de casca marrom e miolo branco.
Quando os irmãos já haviam recuperado parte das forças, tiveram medo da tribo que os acolheu e resolveram fugir. No caminho, encontraram mais daquelas plantas e resolveram, eles mesmos, preparar algo para comer. Colheram as raízes, cozinharam e comeram. Isso se repetiu por vários dias e, apesar de matar a fome, eles se sentiam cada vez mais fracos, com dores no corpo. Após alguns dias, o irmão mais velho já não conseguia andar e acabou morrendo.
O mais jovem retornou a tribo para pedir ajuda. Chegando lá, ele foi novamente acolhido e os sábios da tribo lhe explicaram que a mandioca era um presente dos grandes espíritos e, por isso, antes de ser comida precisava passar por um ritual de purificação para honrar esse precioso presente.
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Conhecimento é poder (e vida!)
Você sabia que existem diversos tipos de mandioca que, de modo geral, podem ser divididas em “mandioca mansa”, também chamada de mandioca de mesa (conhecida também como macaxeira e aipim), e a “mandioca brava”, conhecida como mandioca de indústria.
Os dois tipos de mandioca são extremamente parecidos, mas a mandioca brava é altamente tóxica, possuindo grande quantidade de ácido cianídrico (o mesmo usado nas Câmaras de Gás durante a Segunda Guerra Mundial). Por isso, para ser consumida com segurança, a mandioca brava requer um procedimento industrial ou um ritual de preparação bastante trabalhoso e complexo.
Em geral, o processo de preparação do tubérculo envolve descascar, ralar, lavar, ferver, deixar a massa repousar por dois dias, espremer e depois assar. Durante todo esse processo o ácido cianídrico evapora e o produto resultante se torna seguro para o consumo.
Alguns povos tradicionais indígenas desenvolveram um instrumento chamado tipiti, inspirado no corpo das jiboias e feito de palha trançada, cuja função é espremer a mandioca ralada, retirando sua água.
A mandioca desde tempos imemoriáveis é parte muito importante da alimentação nas Américas. Tanto que, além do tipiti, muitos outros instrumentos foram inventados para facilitar o processamento da mandioca: raladores, torradores, peneiras… e a própria organização cultural dos índios brasileiros foi influenciada pelo cultivo e consumo desse tubérculo.
Pode parecer um contrassenso escolher uma planta venenosa como base de alimentação, mas devemos que levar em conta que muitos povos indígenas ou comunidades do campo atualmente ainda preferem as versões mais venenosas da mandioca e que a “mandioca de indústria” é exatamente a com maiores doses de toxicidade.
Tudo isso nos faz levantar uma pergunta: como os povos antigos aprenderam o processo para consumir a mandioca com segurança sem a ajuda da ciência?
Tentativa e erro
A melhor forma para entender como os povos originários desenvolveram essa técnica é compreender que ela é cultural e foi sendo aprimorada durante muitos séculos.
Em algum momento, alguém descobriu como tornar a mandioca menos tóxica e, com o passar do tempo, outras descobertas foram feitas. Assim, ao longo das gerações, nossos ancestrais acumularam ideias úteis por tentativa e erro, que foram copiadas pelas gerações seguintes.
A importância de aprender com os outros
Agora imagine o que aconteceria se uma determinada geração resolvesse que não queria aprender com as histórias dos mais antigos e, achando que todos esse trabalho era uma bobagem, resolvesse simplesmente colher as mandiocas e comê-las poupando todo esse trabalho.
Como o ácido cianídrico demoraria a se acumular, a princípio eles não perceberiam nenhuma diferença, o que aumentaria mais ainda a ideia de que a nova geração tinha razão e todo o ritual dos antigos não passaria de perda de tempo. Mas, com o passar do tempo e o acúmulo das quantidades da toxina, as pessoas passariam a ter problemas sérios de saúde e morrer.
Isso demonstra uma grande habilidade na evolução humana, a superimitação. Nós imitamos, de maneira ritualística, o que outros seres humanos fazem.
Testes realizados pelo instituto alemão, Max Planck, revelaram que chimpanzés e crianças de dois anos e meio têm capacidades mentais semelhantes, exceto quando o desafio envolve aprender a solução para um problema observando e imitando alguém. As crianças se mostraram muito melhores em imitar do que os chimpanzés.
Olhando superficialmente para este estudo, podemos pensar que os chimpanzés são mais inteligentes. Mas, se estivéssemos preparando mandioca, por exemplo, a superimitação é de extrema importância. Assim, podemos dizer que nós nos constituímos e evoluímos como espécie utilizando muito mais a capacidade de aprender um com o outro do que com a “inteligência física”.
O que aprendemos com tudo isso?
A partir dessa discussão, podemos tirar duas conclusões: a primeira é a importância vital de aprendermos com nossa cultura, fugindo da autossuficiência. A segunda é a importância de escolher que tipo de histórias estamos ouvindo.
Ora, se aprendemos por imitação e este é um traço genético da nossa evolução, você pode imaginar o quanto pode ser prejudicial ficar observando, por muito tempo, exemplos errados.
Você certamente já ouviu a frase “diga-me com quem tu andas e eu te direi quem tu és”. Ou o pensamento do palestrando Jim Rohn: “Você é a média das cinco pessoas com quem passa mais tempo”.
No cerne das duas afirmações está a ideia de que somos influenciados pela cultura que nos rodeia. Tanto para o bem, quanto para o mal.
E essa influência vale para nosso círculo de amizades, programas de TV, games, livros, pessoas que seguimos na internet, etc.
Você tem consumido histórias que te façam aprender e evoluir como pessoa? E você tem tido cuidado em escolher histórias que te façam aprender e evoluir como pessoa?
Desejo a você boas histórias e desenvolvimento que façam de você o protagonista da sua própria história.