O relógio marcava quase meia-noite quando Júlio chegou em casa. Era uma daquelas noites em que o peso do mundo parecia dobrado sobre seus ombros. Recém-formado e ansioso por novas oportunidades, ele só enxergava uma sombra sobre sua vida: sua família.
Nunca falava sobre eles com os amigos. Sentia vergonha do passado humilde, das roupas simples, do velho sítio empoeirado onde fora criado. Então, naquele dia, ao ouvir que sua promoção fora recusada, ele só pensou em uma coisa: tudo teria sido diferente se a família dele tivesse feito escolhas melhores.
Trancou-se no quarto, aborrecido, e não esperava encontrar ninguém lá. Mas, quando abriu a porta, viu uma figura sentada em sua cama, de chapéu de palha e com um olhar profundo, mas calmo. Era o avô, morto há anos.
— Vô… isso é algum tipo de sonho? — gaguejou, tremendo.
— Não, rapaz. Eu vim porque está na hora de você saber algo que ninguém te contou. Pra te mostrar o que realmente significa ‘escolhas melhores’.
O velho fez um sinal, e, num piscar de olhos, Júlio não estava mais no quarto. Estava no passado, na estrada poeirenta de uma cidadezinha, e ali estava o avô, mais jovem, de roupa simples, segurando um saco cheio de moedas. Era a herança de família.
O avô parou ao ver um carro derrapando, despencando barranco abaixo. Desesperado, correu até o veículo e, usando uma força que Júlio nunca imaginara, conseguiu puxar o motorista para fora antes que o carro explodisse. Ele colocou o homem nos ombros e o levou até o hospital mais próximo, onde usou até o último centavo que tinha para salvar a vida do desconhecido.
— Esse homem, que você nunca ouviu falar, era um dos médicos mais promissores do país — disse o espírito do avô. — Graças a ele, vidas foram salvas, inclusive a de sua mãe, anos depois.
A visão mudou e Júlio viu a infância da mãe e as dificuldades que enfrentaram, mas também viu a bondade, o amor e o sacrifício, que davam mais valor às memórias do que a qualquer dinheiro.
— Foi por isso que sua família não ficou rica, Júlio — murmurou o avô, de volta ao quarto. — O dinheiro era nosso, mas escolhi salvar uma vida. E hoje você está aqui, graças a essa escolha.